A Crise
Venezuelana
Especialistas em migração, refúgio e política internacional explicam um pouco do que acontece no país
Trechos de matérias sobre migração venezuelana (em ordem de aparição): Record / Uol / Brasil Urgente / Domingo Espetacular
Notificação
Editorial I Opinião
Uma visão mais de perto
Nicolás Maduro
Professor João Jarochinski tem doutorado em Relações Internacionais.
Para João Carlos Jarochinski, professor de Relações Internacionais na Universidade Federal de Roraima (UFRR), a situação precária vivida pelo país, com escassez de alimentos e altos preços, que resulta na onda migratória que tem sido vista, é oriunda de uma crise causada pela dependência que a Venezuela tem do petróleo. Principal recurso do país, essa commodity é muito afetada pelos preços internacionais. “Houve uma queda muito abrupta no preço do petróleo na década passada, além da diminuição da produção petroleira por falta de investimentos e por causa do boicote que o país sofre dos EUA e de nações a ele aliadas. Portanto, temos uma crise econômica causada por fatores internos e externos”, explica.
Jarochinski, que começou sua jornada de pesquisas relacionadas à migração venezuelana em 2007 acompanhando esses migrantes de perto em Roraima, argumenta que os fatores econômicos somados a um cenário político peculiar intensificaram a crise humanitária. O “vazio de poder” causado pelo falecimento do ex-presidente Hugo Chávez, que tinha um papel centralizador, despertou uma forte disputa entre os grupos políticos do país. “As tensões entre esses grupos são constantes e impedem uma mobilização que congregue todos, para a resolução dos problemas políticos e sociais”, complementa.
Além disso, o professor destaca que as instituições do país são muito fracas e que, mesmo com a legitimidade do governo de Nicolás Maduro sendo contestada, o presidente tem a seu favor a Força Armada Nacional Bolivariana (Fanb), que possui um papel muito importante hoje no país. “Criou-se uma tempestade perfeita: o preço do principal produto da economia venezuelana caindo abruptamente, uma economia rentista, muito dependente de importação e um cenário de crise política alimentado por um governo que, em parte, passa a controlar as principais empresas e reservas do país”, analisa.
Professor João Jarochinski participa de um bate-papo com as meninas do canal "Diplomacia para Democracia" e comenta sobre o papel do Brasil em relação às migrações feitas para o país.
A realidade de um Brasil pouco preparado
Imagem feita durante uma das entrevistas com Rodrigo.
Rodrigo Borges Delfim, que está cursando mestrado em Comunicação Social na Universidade Metodista de São Paulo (Umesp) sobre a cobertura que a mídia brasileira faz da migração venezuelana, e desde 2012 comanda o portal MigraMundo, que noticia e analisa diversas questões de interesses dos imigrantes que estão no Brasil, lamenta que a situação na Venezuela seja tratada de forma rasa. “Para que nós possamos caminhar para a superação de um conflito, temos que entender as origens dele”, pontua.
Ele destaca que por conta da polarização ideológica os direitos humanos desses migrantes acabam sendo ignorados. “As dificuldades que os migrantes vivem vão desde a burocracia para tirar os documentos e conseguir abrir uma conta no banco, até ter acesso ao mercado de trabalho devido à questão do idioma e por conta da exigência de qualificação. No caso de pessoas mais vulneráveis existe uma limitação para conseguir acolhimento, acesso aos serviços públicos também, as dificuldades são diversas”, ele esclarece
Quando falamos sobre qualificação, Rodrigo explica que muitas profissões precisam ser validadas dentro dos parâmetros e leis do Brasil, fazendo com que muitos migrantes sejam obrigados a mudar suas carreiras pela falta de informação, o tamanho da burocracia e do dinheiro. “As profissões regulamentadas aqui no Brasil precisam de liberação para serem exercidas. No caso dos advogados, por exemplo, tem a OAB [Ordem dos Advogados do Brasil], então você precisa ter a carteirinha para advogar no Brasil, para você exercer a medicina é preciso ter o CRM [Conselho Regional de Medicina], então não basta que os migrantes tenham a qualificação eles precisam ter o aval desses organismos reguladores. Existe essa barreira, infelizmente”.
Já sobre as políticas públicas para os migrantes, ele pontua que houve avanços, mas ainda há muito o que ser feito. “Infelizmente a política migratória no Brasil ainda é muito fragmentada no sentido local, não há uma diretriz nacional e por isso fica à mercê de questões mais locais, além de faltar uma coordenação das políticas públicas que já existem. Há ações que tentam mitigar essa falta de organização como alguns fóruns que movem instituições ao diálogo, mas elas ainda são poucas perto do desafio que é a adoção de políticas que tragam dignidade para esta população.”
Rodrigo ainda lembra de uma triste realidade: a diferença de tratamento que migrantes latino-americanos e africanos sofrem em relação aos migrantes europeus. “O eurocentrismo existe e não temos como negar, quando um migrante europeu vem ao Brasil geralmente é visto como alguém que vai agregar, nos ensinar, enquanto um migrante latino-americano ou africano é tratado como aquele que vai ‘roubar emprego’ dos brasileiros”, diz.
Em sua tese de doutorado, defendida na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), intitulada “Dois Séculos de Imigração no Brasil: A Construção da Identidade e do Papel dos Estrangeiros pela Imprensa entre 1808 e 2015”, o pesquisador Gustavo Barreto também mostra que, enquanto os migrantes europeus costumam ser valorizados por sua cultura e contribuição ao Brasil, os migrantes africanos e de outras nacionalidades costumam ser retratados pela mídia, sob a ótica de “problemas” que causam ao nosso país. E como os meios de comunicação acabam pautando as discussões na sociedade, o senso comum tende a “comprar” essa visão, colocando-se contra esses migrantes.
Jarochinski também comenta sobre a xenofobia. “Quando alguém que vem da Venezuela e comete um crime aqui, não se diz que 'José cometeu um crime' e sim que 'um venezuelano o fez'.”
Rodrigo traz o conceito de “jornalismo de paz” em sua dissertação de mestrado, na qual analisa a cobertura midiática das migrações venezuelanas no Brasil. Para ele, o jornalismo tem um importante papel, podendo contribuir ou não para que a sociedade tenha um olhar menos simplista e mais acolhedor para com os migrantes. Ele explica que o conceito de “jornalismo de paz” está sustentado na necessidade de entender os acontecimentos atuais a partir do contexto em que eles estão inseridos, sempre procurando considerar todos os ângulos da história. Trata-se também de uma prática que se preocupa até mesmo com a linguagem utilizada nas reportagens. Alguns termos negativos empregados pela imprensa, como “crise migratória” e “imigrante ilegal”, só colaboram para aumentar a xebofobia e o preconceito.
Migrar é um direito presente na Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela Organização das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948. Como destacam Alexandre Branco Pereira, antropólogo e assessor da diretoria do Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante (CDHIC) e Thais La Rosa, mestra em Resolução e Mediação de Conflitos Interculturais, em artigo publicado em 22 de março de 2021, no Le Monde Diplomatique, esse não deve ser um direito exclusivo das elites globais. “Migrar é, sobretudo, um exercício de reparação a injustiças históricas”, concluem os pesquisadores.
Gustavo Menon é doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina da Universidade de São Paulo (PROLAM-USP), e tem pós-doutorado em Direitos Humanos pela Universidade de Salamanca (USAL - Espanha). Ao seu ver, a nomenclatura "refugiado" não se encaixa na situação dos venezuelanos que vêm para o Brasil. Ele também afirma que o atual governo brasileiro (de Jair Bolsonaro) colabora para o que acontece na Venezuela.
Gustavo é professor no curso de Gestão de Políticas Públicas da USP
e também no PROLAM-USP.